“Para nós, pessoas trans, amar é revolucionário”

Professora e doutoranda em teoria e estudos literários, Frida Pascio Monteiro lança livro sobre afetividades de mulheres travestis e mulheres transexuais
Frida Pascio Monteiro – Foto: arquivo pessoal

Qual a importância do afeto na nossa vida? O que ele representa? Para quem ele tem sido negado? Essas e muitas outras perguntas são respondidas por quatro mulheres travestis e quatro mulheres transexuais (todas se declararam dessa forma) no livro escrito por Frida Pascio Monteiro, 34 anos, professora com formação em letras, mestrado em educação sexual, estudante de pedagogia e doutoranda como aluna especial em teoria e estudos literários. Na sua obra, “Vivências afetivo-sexuais de mulheres travestis e transexuais”, ela investiga em um processo autoetnográfico (a pesquisa de um grupo ao qual o pesquisador pertence) os efeitos da presença e da falta de afeto na vida dessas mulheres, e afirma: “Amar-se e amar ao outro, é, em si, um ato revolucionário.”

Frida destaca que entre todas as mulheres que entrevistou para a sua tese de mestrado, que posteriormente foi transformada em livro, há o relato da falta de afeto e da presença da violência desde cedo, em casa, na família, na escola, na rua. “Apesar da pesquisa ser sobre vivências afetivo-sexuais, não queria saber apenas isso. Fiz para elas as perguntas que eu gostaria que fizessem para mim. Como foi o processo de transição, de hormonização, se houve ou não o desejo pela cirurgia de redesignação sexual, tudo o que dizia respeito à elas”, pontua.

A autora reafirma o ato de amar, amar a si  mesmo, amar ao outro, como revolucionário. “Nós, pessoas trans, somos ensinadas a odiar quem a gente é, a odiarmos os nossos corpos. A gente superar todo esse ‘cistema’ (com cis de cisgênero) que nos ensina a nos odiar e odiar os nossos corpos, é isso é revolucionário”, ressalta. “Amar o outro também é revolucionário, porque somos ensinados que não temos direito ao afeto, por sermos trans, amar o outro é um ato de coragem e também é revolucionário”, completa.

Uma trajetória em meio à dor

A decisão de cursar o mestrado surgiu em um momento pessoal de dor e depressão, causada por uma vida amorosa insatisfatória, mas também por um desejo de aprofundar questionamentos feitos por Maria Clara Araújo, transfeminista, que em um artigo escreveu: “Por que os homens não amam as mulheres trans?”. “Eu li e falei: é isso! Por que a gente não é amada? Por que a gente tem dificuldade de encontrar homens que nos amem e que nos digam publicamente que nos amam?”, completa. 

Mergulhar nessa jornada e ter contato com as dores de outras mulheres e com as suas próprias foi pesado para Frida, que passou por uma grave crise depressiva e até tentou o suicídio durante o processo de escrita da tese. Quando questionada sobre como conseguiu superar esse momento e seguir, a professora afirma que foi salva pela terapia e pelo afeto. “O afeto é muito essencial. Pessoas trans que não têm amigos e família apoiando cometem suicídio, ou vão para o álcool e para as drogas”, declara.

Frida faz parte da pequena parcela de pessoas transexuais, transgêneros e travestis que chegam ao ensino superior, apenas 0,02%. E também a triste estatística que marginaliza essas mesmas pessoas: 96% estão fora do mercado de trabalho formal. “Mesmo sendo formada, mesmo tendo faculdade e mestrado, não tenho emprego”, relata. “Escrever esse livro, passar por todo esse processo, me mostrou que temos que lutar ainda mais contra a homotransfobia. E uso esse termo porque muitas pessoas, antes de se entenderem como transexuais, se assumem ou são lidos como homossexuais e sofrem preconceito também por isso”, explica.

Cotas para trans são reparação histórica

A escritora lembra que para garantir os direitos das pessoas trans é preciso inúmeras medidas, como garantir que eles fiquem na escola, com educação sexual para combater o bullying e a violência; formação de professores e toda equipe para que esses adultos possam lidar com crianças e adolescentes sem preconceito; cotas para ensino superior, concurso público e mercado de trabalho. “Não existe evasão escolar entre pessoas trans, porque elas são expulsas da escola, pela violência, pelo ódio. Cotas para essa população não é um favor, é reparação histórica”, reforça.

Com um mestrado e se preparando para um doutorado, Frida celebrou não apenas a sua qualificação, a sua tese, como o fato de ter na sua banca de avaliação uma mulher trans, a professora de literatura Amara Moira, além de contar com a colaboração da também escritora e professora universitária Jaqueline Gomes de Jesus e Megg Rayara de Oliveira, professora universitária e  coordenadora do Neab (Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros) da UFP (Universidade Federal do Paraná), que escreveram a orelha e o posfácio de seu livro, respectivamente. Uma mulher trans e a outra, uma mulher travesti. “Quis ter essas mulheres contribuindo no meu livro para dar visibilidade. Para que a gente não seja analisada só pelo olhar de quem é cisgênero. Queria mostrar a visão de mulheres trans sobre esse trabalho”, destaca.

Frida finaliza citando Amara Moira, que escreveu o texto do anverso da sua obra. “Duas pessoas trans portanto, uma como candidata ao título de mestra e outra como arguidora, realidade improvável dez anos atrás, mas à qual vamos cada vez mais nos acostumando: um símbolo da transformação que ainda fará com que a comunidade trans deixe de ser sujeira estatística no meio acadêmico.”

Serviço

Quem se interessar pelo livro  “Vivências afetivo-sexuais de mulheres travestis e transexuais” pode entrar em contato com a autora pelas redes sociais Instagram ou Facebook. A publicação está sendo vendida a R$ 50, mais R$ 10 de frete.