O gambito da senadora: como ela obteve informações do depoente na CPI da COVID

Francine Malessa e Elara Leite

Foi uma mulher a responsável por extrair uma das informações mais relevantes da CPI da COVID na noite de sexta-feira (25/06), ampliando a crise do governo Bolsonaro para a sua base governista. Simone Tebet (MDB-MS), que no início deste ano chegou a afirmar que tinha afinidade com as pautas econômicas da gestão bolsonarista, conseguiu fazer o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) acusar o colega parlamentar e líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), de estar envolvido nas irregularidades da aquisição da vacina indiana Covaxin. 

Simone Tebet foi peça importante na CPI. Imagem: Fotos Públicas

Segundo o depoente, o próprio presidente da República ao ter conhecimento das suspeitas de corrupção, teria dito a ele que “isso é coisa de fulano”. Pressionado, Miranda alegava não recordar o nome supostamente mencionado por Bolsonaro, até que chegou a vez de Simone Tebet:

– Vossa excelência só confirma que sabe qual é o nome do deputado e nós vamos buscar…- iniciou Simone

– A senhora também sabe que é o deputado Ricardo Barros que o presidente falou – atropelou Miranda.

– …Vamos buscar a verdade a favor do país…Então o senhor confirma então…- questionou surpresa pela informação.

– Foi o Ricardo Barros, foi o nome do Ricardo Barros – endossou Miranda que logo depois desabafou – Não me sinto pressionado para a falar, queria ter dito desde o primeiro momento, mas é porque vocês não sabem o que eu vou passar. Apontar um presidente da República que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta, que sabe que tem algo errado… Ele sabe o nome, sabe quem é e ele não faz nada por medo da pressão que pode levar do outro lado. Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem tá fazendo errado? De quem desvia dinheiro público das pessoas morrendo com a p*rra desse Covid?

Importante ressaltar que as mulheres não ocupam nenhuma vaga formal na CPI da Covid. Todos os 18 postos foram ocupados por senadores homens, porém, as senadoras podem participar enquanto revezam a sua vez de questionar durante os depoimentos. Coube a Tebet o simbolismo da representação feminina em um dos episódios que deve se tornar referência e um divisor de águas para a comissão de inquérito, como o próprio Renan Calheiros (MDB-AL), relator, destacou.

De centro e dificuldade para se assumir feminista

Embora esteja líder da bancada feminina no Senado e tenha conquistas relevantes em sua trajetória política, um destaque de atuação entre mulheres, Simone Tebet ainda não se consolidou por sua representatividade.

Há pouco mais de um mês, a senadora concedeu entrevista à BBC após a discussão sobre a participação de mulheres na CPI da Covid, e afirmou que sente dificuldade em se definir feminista, “embora seja”. 

Entre suas pautas principais estão a ampliação de mulheres na política e combate à violência de gênero – pautas extremamente feministas. No entanto, a senadora ainda precisa avançar mais em questões sobre direitos reprodutivos e pessoais das mulheres. 

Assimetria de tratamento na CPI da COVID

Durante toda a CPI, as mulheres foram tratadas de maneira assimétrica em relação aos homens, seja durante depoimentos, seja na participação das senadoras, seja na composição da própria Comissão Parlamentar de Inquérito. 

Para a advogada Luana Pereira da Costa, conselheira-diretora da Themis, organização que defende o acesso das mulheres à justiça e aos direitos humanos, a sub-representação feminina na CPI reflete a sub-representação na política de modo geral. Em sua opinião, o fato mais grave é que essa ausência de mulheres na comissão se reflete também nos temas que são tratados, que acabam ficando distantes do recorte de gênero. 

Luana faz parte do Centro de Estudos de Gênero Themis. Imagem: Thiago Coelho

“O que a gente precisa refletir e estar atentas é que isso não é uma simples ausência, mas reflete também nos temas, nas perguntas e na forma como a investigação vai se direcionar. A ausência de mulheres em espaços de poder reflete como o poder é exercido. Se ele é exercido somente por homens brancos como vemos na CPI, é essa perspectiva que vai preponderar. A ausência de mulheres na CPI também acaba tendo como consequência uma ausência de olhar de gênero nas questões que são objeto da investigação”, explicou. 

As mulheres, sejam depoentes, convidadas ou senadoras, têm enfrentado constantemente a prática machista de manterrupting, que é quando um homem interrompe uma mulher constantemente, deslegitimando seu lugar de fala e impedindo a conclusão de raciocínio. Quanto a isso, Luana, que também é socióloga, ressalta que este é um reflexo da sociedade brasileira. 

“Mulheres são interrompidas em todas as suas experiências de exercícios em cargos profissionais. Sempre que uma mulher vai exercer o seu poder, o seu lugar, o seu direito a fala, ela é interrompida. As mulheres são podadas ao exercer qualquer cargo no exercício público. Assim como nós somos interrompidas nas reuniões de trabalho e às vezes em conversas muito simples até com amigos na família. Sempre que nós vamos falar sobre algum assunto, nós somos interrompidas, ou somos deslegitimadas, nosso conhecimento é diminuído”, lamentou.

Luana também é integrante do Women In Law Mentoring Brazil e da Comissão da Igualdade OAB/RS.