Fala Firmina: Etarismo não é brincadeira, é preconceito

Fala Firmina: Etarismo não é brincadeira, é preconceito

Ontem vi que as alunas Bárbara Calixto, Beatriz Pontes e Giovana Cassalatti, que fizeram um vídeo odioso debochando de uma colega de classe de 44 anos, decidiram sair da Unisagrado, em Bauru, sem sequer esperar o resultado do processo disciplinar da faculdade.

Para meu espanto, vi gente progressista mais preocupada com o abalo psicológico das “meninas” do que com o da colega que foi humilhada. Primeiro ponto: NÃO SÃO MENINAS. São mulheres jovens. Até quando vamos ficar chamando pessoas que já são responsáveis por seus atos de “meninas”? Já não basta o marmanjo Neymar, que ainda é chamado assim e sempre tratado como uma criança que não precisa assumir a responsabilidade de seus atos?

O segundo ponto para mim é o mais importante: EM NENHUM MOMENTO – repito, NENHUM! – essas jovens se desculparam com a OFENDIDA. Uma disse o seguinte:

“Nunca foi na intenção de dizer que pessoas de mais idade não podem adquirir uma graduação, pois não tenho esse pensamento. Foi uma fala imprudente e infeliz que tomou uma proporção que não imaginávamos”.

Percebem que é a mesma alegação de pessoas que proferem falas racistas, machistas e homofóbicas? Sempre a pessoa não tem a intenção, sempre ela não pensa assim. Mas o final da frase deixa muito claro que para ela o mais grave não foi a agressão verbal em si, mas sim o fato de ter sido vazada. Essas alunas não esperavam que, no grupo onde soltaram o vídeo, houvesse pessoas que não compactuam com essas ideias odiosas. Elas sequer estão arrependidas. Se tivessem, teriam ido se desculpar com a colega.

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E antes que venha alguém aqui me dizer se nunca fiz nada do gênero, fiz sim. Quando adolescente e na faculdade – anos 80 e 90 – falei muita coisa absurda, que hoje olho para trás e tenho a mais profunda vergonha. Mas – não justificando meus absurdos, e sim contextualizando – naquela época os preconceitos eram a tônica da sociedade, principalmente a classe média. Eram a tônica e alguns nem eram crime.

Os preconceitos eram vistos diuturnamente em filmes, programas de humor e novelas. “Os Trapalhões” hoje não sobreviveriam ao segundo programa com a enxurrada de piadas preconceituosas que exibiam.

Dentre todos os preconceitos que o Brasil cultiva em larga escala, o etarismo é um dos menos debatidos. Aliás, segundo uma imbecil de 60 anos que discutiu comigo ontem, basta apenas a pessoa deixar isso para lá. É o famoso umbiguismo: se eu não me afeto, não é um problema.

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Somos um país onde pessoas com mais de 40 anos já estão velhas para o mercado de trabalho e ainda jovens para aposentar. Tenho 51 anos e sei muito bem da minha capacidade de trabalho, mas sequer sou chamada para entrevistas em vagas que têm tudo a ver comigo. Descobri recentemente que uma das plataformas mais usadas para processos seletivos já elimina de cara os candidatos com mais de 40 anos.

Além disso, o peso da idade é imensuravelmente maior em cima das mulheres, de quem é cobrada uma juventude eterna. Mas aí, quando entramos em uma academia, somos basicamente ignoradas pelos instrutores, que estão muito ocupados em atender as “meninas”. Recentemente uma amiga de 50 anos comentou isso: que havia desistido da musculação pela sua invisibilidade na academia. Uma mulher bonita, produtiva, inteligente, simpática. Mas para os instrutores ela é apenas uma coisa: VELHA.

Quero deixar claro que não estou dizendo que etarismo é igual a racismo, machismo ou homofobia em termos de gravidade, antes que algum desavisado venha aqui me dizer que esses são preconceitos que matam. Mas etarismo TAMBÉM é preconceito. E até onde eu saiba a bolha progressista diz lutar contra todos os tipos de preconceitos. Ou há preconceitos aceitáveis e outros não?

Tem muita gente que não sabe que o que elas fizeram é CRIME. As três, que são maiores de idade, podem, em tese, vir a responder por:

Injúria: que é ofender a dignidade ou a honra de alguém. A pena pode ser de detenção, de um a seis meses, ou multa.

Difamação: que é ofender a reputação de alguém, mesmo que o fato seja verídico. A pena pode ser de detenção de três meses a um ano, e multa.

Violência psicológica: que é causar dano emocional à mulher mediante constrangimento e ridicularização, entre outros pontos. A pena é de reclusão de seis meses a dois anos e multa.

Não estou defendendo aqui que sejam presas, não é esse o ponto. Mas está mais do que na hora de pararmos de normalizar esse tipo de comportamento agressivo, que tomou força após a eleição de Bolsonaro, quando todos os vermes saíram dos esgotos e se sentiram representados para ofender a quem tivessem vontade sem consequências. Não estamos mais nas décadas de 80 e 90, quando os preconceitos eram a tônica da sociedade. Estamos em 2023 e tudo mudou. Preconceito não é “brincadeira”.

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Não dá mais para achar que são apenas “meninas” que não sabiam o que faziam. Sabiam sim, não se desculparam, e pelo visto não estão dispostas a aprenderem com seus erros. Não voltaram porque não querem encarar seus pares. Quisessem mesmo aprender alguma coisa, teriam se desculpado com a colega e voltariam à sala de aula. Por último: é normalizando comportamentos assim que Bolsonaros se elegem.

Está mais do que na hora de entendermos isso.

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