Minha faixa branca é meu troféu

Rafaella Gomes exibe seu troféu

Era sábado de manhã. Fui para o Salão do Ivan para fazer o que costumava duas vezes por semana antes da pandemia: alinhar meu corte e escovar as madeixas.
Reabertura do comércio, lá vai eu. Na ausência do abraço, um cumprimento de soquinho no meu amigo, que me recepcionou com o sorriso largo de sempre, mas escondido pela máscara.
Devidamente higienizada, sentei-me cadeira para lavar meus fios. Foi quando ele me disse:
– Rafa, já começou crescer os brancos de novo. Providencia a tinta pra gente pintar, ok.
Silêncio.
Por 17 anos era o mesmo hábito. Por uma grande parte desse tempo, o preto-azulado era o meu companheiro mensal.
Cabelo feito, conversas aleatórias… ao pagar pelo serviço, olhei pra o Ivan:
– Sabe… tô pensando em não pintar mais…
– Ficarias linda, mas eu aposto que você não consegue. Afirmou categoricamente quem conhece até as pontas de meus fios há mais de uma década.
Cheguei em casa e anunciei solenemente que não iria pintar mais o cabelo.
“Duvido”, riram sabendo da minha vaidade…
Passaram um, dois, três meses…
As eleições, a diplomação, a posse da prefeita, minha posse como chefe da SECOM…
Virava o cabelo para um lado, para outro, disfarçava com rímel…
Mas eles estavam lá
A genética de meu pai… a mecha grisalha que as filhas e netas de Dona Guilhermina  ostentavam, agora, latente, brilhante, destacando-se, no meu cabelo naturalmente preto.
Chegou o dia das fotos oficiais, e mais uma vez, estou no Ivan.
– E aí? Você vai pintar?
– não.
– E como você vai fazer nas fotos?
– Eu vou mostrar, ué… não vou fugir da genética. E quem quiser, que aceite.
Finalizou o trabalho… e pela primeira vez percebi o quão linda estava, a mecha branca caindo como um poema de Dedé Monteiro. A tinta branca dos anos não seria mais maquiada. Pelo contrário: seria valorizada.
Já se passaram 2 meses desde a sessão de fotos oficiais. Dois meses que estou me amando, amando minha faixa branca no meu topete. Dá aquela “coceirinha” pra comprar o preto? Sim, mas lembro-me da mulher que me tornei. Mulher forjada no fogo, nas dores, carregada de cicatrizes das lutas diárias. A minha faixa branca é hoje, o meu troféu. Lauréis de quem conquista seu lugar diariamente.
Ela é a prova do mulherão da porra que me tornei.
Ela fica, cada dia mais linda, ou Como Dedé Monteiro disse:
“.. A tinta que o tempo bota
Sobre a cabeça da gente
É duma que não desbota
Permanece eternamente
Tem gente que compra tinta
Mete na cabeça e pinta
Só pra causar enganos
Mas é besteira do povo
Depois sai cabelo novo
Com a tinta branca dos anos.”

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