Agosto Lilás: Saiba reconhecer as 6 fases de um relacionamento abusivo

Agosto Lilás: Saiba reconhecer as 6 fases de um relacionamento abusivo
Nem sempre as relações abusivas são evidentes, alerta Sabrina Amaral

Estudo informa que mais de 243 milhões de mulheres no mundo foram vítimas de algum tipo de violência na pandemia

Quem nunca sonhou em vivenciar um conto de fadas, que atire a primeira pedra. Geralmente, as mulheres sonham em encontrar sua metade da laranja e viver um grande amor. Na prática, nem toda história acaba com um final feliz. Essa busca por uma paixão pode levá-las a envolver-se em relacionamentos abusivos ou tóxicos.

Para a psicóloga especialista em neurociência do comportamento, Sabrina Amaral, a porta de entrada de relacionamentos insalubres é a baixa autoestima.

“Na infância, aprendemos a desenvolver nossas primeiras relações com os nossos pais e pessoas próximas. Assim, temos nossas necessidades básicas atendidas através do afeto e atenção, determinantes na vida adulta na maneira como você se coloca, interage e se posiciona com os vínculos que você desenvolve, saudáveis ou não”, conceitua.

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Sabrina enfatiza que quando possuímos uma visão positiva de nós mesmos, somos capazes de comunicar de forma saudável ao outro o que desejamos e precisamos em um relacionamento. Se a contraparte não compreende ou não aceita mudanças, é mais fácil estabelecer limites ou até mesmo considerar o término da relação. Por outro lado, pessoas que possuem carências e sentimentos de falta acabam criando a expectativa de conseguir no outro, aquilo que elas gostariam de ter. Nessas projeções emocionais, não percebem que estão em relacionamentos conturbados.

“Nem sempre as relações abusivas são evidentes, muitas vêm disfarçadas numa roupagem de amor e atenção. E é nesta fronteira que as coisas se complicam”, destaca.

Uma prova disso é o estudo feito pela ONU Mulheres durante a pandemia, que levantou números impressionantes. Mais de 243 milhões de mulheres com idades entre 15 e 49 anos sofreram algum tipo de violência física, emocional, patrimonial e/ou sexual durante a pandemia.

Dessas, menos de 40% reportou o crime ou procurou algum tipo de ajuda. A diretora executiva da entidade e vice-secretária geral das Nações Unidas, Phumzile Mlambo-Ngcuka, declarou que existe uma pandemia invisível de violência doméstica.

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A razão das mulheres não pedirem ajuda, salvo os casos de medo de perder a vida, a guarda dos filhos ou não contarem com rede de apoio, aponta Sabrina, pode ser atribuída a uma dinâmica psicológica complexa entre o abusador e o abusado. De um lado está a pessoa abusadora, que carrega algum tipo de debilidade emocional e na tentativa de regular-se internamente, bem como minimizar os extremos que viveu sua infância inteira, desenvolve mecanismos para tentar controlar a vida e as situações que estão à sua volta. Ela crê que tem o controle e por isso irá se preservar do sofrimento. De outro, está a pessoa abusada que se sujeita a estas condições.

Com histórico de necessidades emocionais não atendidas carrega a carência que nasceu das percepções de suas primeiras experiências de infância. Desta forma, ela busca encontrar nos relacionamentos, aquilo que lhe falta internamente, como alguém que a veja, valorize, cuide e proporcione o que ela gostaria de ter recebido, mas não teve. Em nome desta carência, a pessoa abre mão dos limites e se sujeita à uma dinâmica abusiva e tóxica.

Não obstante, esses relacionamentos podem se transformar rapidamente em violência, segundo a psicóloga, que define abaixo as seis fases do relacionamento abusivo:

CONSTRUÇÃO DA IMAGEM: O DISFARCE PERFEITO – Nesta etapa, conhecida como efeito camaleão ou mimetismo, o abusador é capaz de ler, identificar e decifrar as necessidades do outro. Com base nisso se adapta para caber no que falta ao outro e se empenha para parecer sua alma gêmea. Quando percebe que cativou a vítima, começam os sinais de ciúmes leves, que podem ser vistos como amor, cuidado, preocupação, atenção, carinho. “Não saia com essa roupa, vão mexer com você’, ou ainda, ‘não se comporte assim, as pessoas vão te julgar’.”

ADESTRAMENTO – No geral, esse comportamento é sutil e a parte abusada passa por um tipo de adestramento. Há uma recompensa cada vez que a ordem é obedecida e a dinâmica é reforçada pela sensação que a vítima tem de que está sendo cuidada. Gradativamente vai permitindo que a parte abusadora ultrapasse os limites.

JUSTIFICATIVA – A terceira fase que é a culpabilidade.  A parte abusadora passa culpar o outro por seu comportamento disfuncional e até mesmo agressivo. O abusado começa a se distanciar de si e deixa de impor limites. A pessoa perde sua identidade em troca de migalhas de afeto e atenção. O sentimento de culpa vai sendo cultivado e inibe qualquer reação contra a dinâmica abusiva da relação.

DISTANCIAMENTO – Nos altos e baixos da relação, quando a pessoa abusadora percebe que a outra parte começa a se incomodar, ele trabalha o distanciamento. Esta é a quarta fase das relações abusivas, quando a vítima busca um contraponto de suas ações e a cada validação, sofre descrédito. Em um segundo momento, passa a isolar o outro de sua família, de amigos e colegas de trabalho, no objetivo de minar a sua capacidade de acreditar em sua rede de apoio.

NORMALIZAÇÃO – Depois de dominada, a parte abusada é submetida a uma dinâmica de oscilação emocional amor e desprezo. Há um ciclo intermitente de tensão e explosão, seguidos de fases de reconciliação e calmaria. A vítima realmente acredita que todos os relacionamentos são assim, relativiza, acha normal e ignora os sinais evidentes de abuso. Nestes momentos, não é incomum a parte abusadora alimentar as inseguranças da outra pessoa. Ela provoca situações de ciúmes, dando a entender que tem alguém lhe rondando na rede social, com propósito de desvalorizar o outro. A ideia é fazê-lo se sentir insuficiente e inseguro.

RESIGNAÇÃO – No último degrau desta escada vem a resignação, quando a parte abusadora convence ao outro de que ele é incrível e insubstituível.  São utilizados argumentos depreciativos como “se você me largar ninguém vai te querer”.  Nesse estágio, qualquer tentativa de reagir à situação pode culminar em discussões violentas, por vezes culminando na agressão física.

Quando ouvimos a palavra “violência”, automaticamente pensamos em agressões físicas, hematomas e machucados, mas a psicóloga alerta para vários tipos de violência que não identificamos no dia a dia.  São elas:

Violência psicológica: quando a vítima sofre humilhação, insultos, isolamento perseguição ou ameaças.

Violência moral: quando envolve calúnia, injúria ou difamação de qualquer tipo.

Violência patrimonial: quando o dinheiro é controlado, não há permissão para compras, pertences são destruídos, bens e propriedades ocultados e a vítima é proibida de trabalhar.

Violência física: quando a vítima sofre agressão corporal como empurrões, chutes, imobilizações ou surras.

Violência sexual: quando há pressão para ter relações ou práticas que não gosta, há recusa ao uso do preservativo ou qualquer outro método contraceptivo.

Porém, desvencilhar-se de relacionamentos abusivos, apesar de parecer a parte mais difícil, é só o começo.

“Para não cair nesta cilada novamente é muito importante que você entenda qual foi o ônibus que você pegou para chegar neste ponto da sua vida, ou seja, qual é a sua responsabilidade por sair dessa e nunca mais permitir que isto te aconteça novamente”, enfatiza Sabrina.

“Além disso, seja firme, decida de fato que você merece mais passar por este sofrimento e coloque um fim neste dinâmica tóxica das relações abusivas. Não se isole, acione sua rede de apoio e peça ajuda no resgate da autoestima e fuja da armadilha de relativizar o dano que você sofreu. Em paralelo, busque ajuda profissional para se fortalecer, entender o que fez você se submeter aos relacionamentos abusivos. É fundamental se conhecer melhor para fazer escolhas mais condizentes com aquilo que você merece de verdade.”

Sabrina sugere ainda a rede de apoio https://www.mapadoacolhimento.org/, que conecta mulheres que sofrem ou sofreram violência de gênero a psicólogas e advogadas dispostas a ajudá-las de forma voluntária

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