Mulheres e crianças são as principais vítimas do Talibã no Afeganistão

Agência da ONU para refugiados revela que cerca de 80% das pessoas forçadas a abandonar suas casas no Afeganistão desde o final de maio são mulheres e crianças

Mulheres e crianças são as principais vítimas do Talibã no Afeganistão
ACNUR/Edris Lutfi

As imagens chocantes de pessoas desesperadas se pendurando no avião norte-americano que deixou o Afeganistão no dia 16 de agosto escondem uma tragédia ainda maior. Entre a horda de afegãos que tentaram deixar o país após o grupo extremista Talibã assumir o controle do governo, não havia mulheres nem crianças. A verdade que as imagens revelam é nua e crua: mais uma vez, elas estão sendo deixadas para trás, abandonadas à própria sorte. 

“Estamos particularmente preocupados com o impacto do conflito sobre mulheres e meninas. Cerca de 80% dos afegãos forçados a abandonar suas casas desde o final de maio são mulheres e crianças”, afirmou em coletiva de imprensa Shabia Mantoo, porta-voz da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados). 

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Reportagem do jornal britânico The Guardian traz relato de uma jovem afegã que anuncia a situação de terror que as mulheres passam a enfrentar no país. Elas já estão sendo obrigadas a deixar seus trabalhos, escolas e universidades. 

Voluntária em um grupo de universitários que apoiava pessoas expulsas de suas casas por grupos talibãs, a jovem conta a história de uma família que perdeu o filho na guerra e não tinha dinheiro para pagar o táxi até Cabul, por isso, ofereceu a nora viúva como pagamento. “Como pode o valor de uma mulher ser igual ao custo de uma viagem?”, questiona ela na reportagem. 

A jornalista Adriana Carranca, especializada na cobertura de conflitos, crises humanitárias e direitos humanos, com olhar especial sobre a condição das mulheres, publicou hoje em seu twitter: “Que tristeza profunda conversar essa manhã com jovens em Cabul. Chorei com a Meena, uma violoncelista brilhante. A escola de música de Cabul fechou. Ela passou para a Academia de Artes Interlochen de Michigan, mas não deixou o Afeganistão a tempo. As famílias estão sitiadas em casa.”

Em outro tweet ela afirma: “Estive no Afeganistão quatro vezes e outras tantas na fronteira. A volta dos talibãs era esperada. A última vez que estive lá, já controlavam 80% das províncias e estavam a 30 minutos de Cabul. Os EUA falharam. Em mais de 20 anos de guerra podiam ter transformado o país, mas optaram por drones.” 

Já a estudante afegã Aisha Khurram escreveu no dia 15 de agosto na mesma rede social: “O caos apenas começou …Alguns professores se despediram de suas alunas quando todos foram evacuados da Universidade de Cabul esta manhã … e talvez não vejamos nossa formatura como milhares de alunos em todo o país. Os talibãs estão espalhados por toda a cidade, apenas esperando o momento certo…”

Os afegãos já viveram sob o domínio do Talibã entre 1996 e 2001 e temem que o grupo volte a impor uma interpretação rígida da lei islâmica. Foi um tempo em que as mulheres eram proibidas de frequentar a escola ou de trabalhar fora de casa. A obrigação de usar burca e estar acompanhadas de parentes do sexo masculino toda vez que saiam de casa também fazia parte das regras naturalizadas no país e que agora voltam a ameaçar a vida, a liberdade e a dignidade das mulheres. 

Entenda o atual conflito no Afeganistão

O conflito no Afeganistão acontece porque o Talibã, que governou o país há 20 anos, voltou a dominar parte do território, ocupou a capital Cabul e forçou a fuga do agora ex-presidente Ashraf Ghani. A ocupação ocorreu duas semanas antes de os Estados Unidos finalizarem a retirada de suas tropas do país após uma guerra que iniciou com o atentado às Torres Gêmeas, em Nova Iorque, e que já durava 20 anos.

Por causa do conflito, desde o início do ano quase 400 mil pessoas foram forçadas a deixar seus lares, número que soma-se a 2,9 milhões de afegãos já deslocados internamente em todo o país, conforme informações da ACNUR. 

“A esmagadora maioria dos afegãos forçados a deixar suas casas permanece dentro do país, tão perto de suas casas quanto os combates permitem. Desde o início deste ano, quase 120 mil afegãos fugiram de áreas rurais e cidades provinciais para a província de Cabul”, afirmou a porta-voz da ACNUR Shabia Mantoo . 

Os conflitos em curso foram relatados em 33 das 34 províncias do Afeganistão.

Com o retorno do Talibã ao poder, a tendência é de que a violência e a opressão contra mulheres e, por consequência, crianças, se aprofunde.