Livro reúne textos de mães que perderam filhos para a violência policial

“Mães em Luta” será lançado no dia 19 de novembro, no CEU Sapopemba, Zona Leste de São Paulo

Sete mães unidas pela dor de perder um filho. Mais do que isso, essas mulheres também têm em comum a forma trágica como essas mortes aconteceram: todas por meio do abuso e da violência policial na maior cidade do país, São Paulo. Após anos de dor, essas mães decidiram formar o movimento Mães em Luto da Zona Leste, uma ação que busca ajudar as famílias a lidar com a perda e a buscar justiça pelos crimes cometidos. O livro “Mães em Luta” traz cartas e poemas dessas mulheres aos seus filhos assassinados.

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De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de mortes de pessoas negras em decorrência de ações policiais aumentou 5,8% entre 2020 e 2021 no Brasil. Os pretos e pardos somaram 84,1% das vítimas de intervenções policiais no ano passado. Segundo IBGE, esse grupo representa mais da metade dos brasileiros, cerca de 54%. A maior parte dessas ações aconteceram em áreas de periferias. 

“O Luan era um menino meigo, muito família. Ele era uma criança com tamanho de adulto, tinha 1,70 de altura com 13 anos. Mas ele era medroso, em tudo o que ia fazer, eu estava presente. Até no shopping eu levava e buscava”, conta Maria Medina Costa Ribeiro, mãe de Luan Gabriel, morto com um tiro na nuca por um policial militar em 2017 em São Paulo.

Luan tinha apenas 14 anos e havia saído para comprar um pacote de biscoito na venda próxima de sua casa. O tiro aconteceu em uma tarde de domingo na viela perto de onde morava. Em julho deste ano, o caso foi à júri popular e o policial foi absolvido.

A família tenta recorrer na justiça. “Viver alegre, viver triste. Viver sentindo falta de você, filho. Viver tentando encontrar forças para viver e sentir saudade. Viver por viver”, trecho de poema escrito por Maria Medina no livro “Mães em Luta”.

O movimento Mães em Luto da Zona Leste nasceu em 2016 da dor de outra mãe, Solange de Oliveira Antonio. Solange perdeu seu filho Victor, de 20 anos, em março de 2015.

O rapaz tentou cometer o crime de saidinha de banco, mas foi alvejado por um policial civil à paisana, que trabalhava como segurança particular naquele dia.

O jovem se rendeu, mas, ainda assim, o policial disparou três tiros e matou Victor no local, conforme revelaram as imagens de segurança do banco obtidas pela mãe mais de dois anos após o crime.

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“Por que meu filho não teve o direito de pagar pelo seu erro? Por que esse homem decidiu ser o delegado, o promotor, o juiz e deu a sentença de morte para meu filho? Com esses tiros, ele executou não só o Victor, mas todos nós que ficamos sem ele, inclusive minha neta”, diz a mãe. 

Solange decidiu fundar a entidade depois de perceber a dificuldade das mães na busca por justiça e o tratamento que elas recebem quando têm um filho morto pela polícia.

“Além da dor da perda, ainda precisamos enfrentar o descaso. Somos mal tratadas nas delegacias, nos hospitais, no IML. Quando entramos nesses lugares, logo sussurram: lá vem a mãe do bandido que morreu”.

O movimento conta hoje com 15 mulheres que perderam seus filhos para a violência do estado. Ele funciona no Centro de Direitos Humanos do Sapopemba, na Zona Leste da capital, mas recebe e acolhe mães de toda a cidade.

No local, a família da vítima recebe apoio e orientação para a busca de documentos e provas, além de rodas de conversa para acolhimento emocional.

O Livro – A obra “Mães em Luta” é o resultado de meses de trabalho de oficinas de Escrita Curativa, uma ação desenvolvida e apoiada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC).

De setembro de 2020 a maio de 2021, o grupo se reunia por duas horas de forma on-line para dar vida ao projeto do livro.

Nas 141 páginas é possível conhecer as histórias de Gilvania, Maria, Mirian, Rossana, Sidneia, Solange e Tatiana com seus filhos, todos meninos, jovens e moradores de áreas periféricas da capital.

O projeto é apoiado pela PUC e realizado pela editora Fábrica de Cânones.

Livro

O livro traz ainda uma homenagem às Mães de Acari, movimento formado em 1990 por mulheres que perderam seus filhos em uma ação em Magé, no Rio de Janeiro. Na época, homens encapuzados sequestraram 11 jovens em um sítio em Suruí. Os corpos nunca foram encontrados e a mãe de um dos jovens foi assassinada anos depois.

Lançamento

O lançamento oficial de “Mães em Luta” acontece neste sábado, 19 de novembro, no CEU Sapopemba, às 14h30. A entrada é gratuita. O CEU fica na Rua Manoel Quirino de Mattos, s/n – Sapopemba, São Paulo. A sede da Mães em Luto da Zona Leste fica na Rua Vicente Franco Tolentino, 45,  Sapopemba, São Paulo. O e-mail para contato é o movimentomaesluto.zl@gmail.com