Mulheres denunciam médico da Universidade Estadual de Londrina por assédio

Reportagem ouviu relatos de violência obstétrica, lesbofobia, assédio e importunação sexual; caso mais antigo aconteceu há 13 anos

Reportagem de Cecília França, da Rede Lume de Jornalistas

Mulheres denunciam médico da Universidade Estadual de Londrina por assédio
Mural no CECA da UEL/Letícia Câmara

Após uma jornalista vir a público denunciar assédio e importunação sexual, sofridos no último dia 14 de fevereiro, por parte do médico ginecologista M.A.C., em Londrina, surgiram outros relatos de violência praticadas pelo profissional na DASC (Divisão de Assistência à Saúde da Comunidade) da UEL (Universidade Estadual de Londrina). Alguns ocorreram há mais de uma década.

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G.F. tinha 25 anos em 2010 e estava grávida do primeiro filho. Ela realizava as consultas de pré-natal na DASC, com um ginecologista de sua confiança. “Ele me acompanhou a gravidez inteira e, no final da gestação, tirou férias e me orientou a continuar as consultas. Eu marquei com esse doutor aí, que a gente está recebendo as informações de que ele não fez isso com poucas pessoas, foram bastante meninas”, conta ela à Lume.

O médico adotou procedimentos considerados estranhos por G.F. desde o início da consulta. “Eu era nova, não tinha ido muitas vezes ao ginecologista. Achei estranhas as perguntas que ele fazia, se eu era casada, a questão da gestação, parceiros. Eu fiquei incomodada”, relembra.

Na sequência o médico pediu para que G.F. deitasse na maca, quando ela imaginou que ele auscultaria os batimentos cardíacos do bebê. “De repente ele começou a mexer em mim, chamou uma enfermeira e começou a fazer exame de toque. Eu fiquei assustada porque não sabia direito o que estava acontecendo, que ele faria esse exame, nada”.

Segundo ela, a enfermeira, apesar de estar na sala, não acompanhou o procedimento médico.

Há muitos questionamentos sobre a necessidade de realização de exame de toque, considerado incômodo e invasivo. Da forma como foi realizado em G.F., sem qualquer aviso à gestante, pode ser classificado como violência obstétrica, de acordo com cartilha formulada pelo Ministério Público de Santa Catarina.

“Quando as pessoas tocam no corpo da gente sabemos se é de forma desrespeitosa ou não. Quando ele tocou em mim eu não senti respeito, achei que ele ultrapassou ali algumas barreiras que eu não consigo nem explicar direito”, explica.

G.F. diz que na época não tinha entendimento da situação e optou por esquecer, não formalizando denúncia.

Assédio e importunação sexual durante consulta

A jornalista G.S., de 22 anos, denunciou o assédio sofrido aos órgãos competentes e também expôs a situação em um grupo privado de mulheres nas redes sociais. Lá, recebeu não somente apoio, mas outros relatos de violência praticados pelo mesmo médico. (veja abaixo)

G.S. conta à Lume que a consulta já começou mal, com o médico passando o número de sua clínica particular. “Isso, por si só, acho antiético. Você estar ali num espaço público dando seu contato particular para fazer consulta, pagando para ele, sendo que ele devia estar tratando bem o público. Mas isso não era nada, até então”, ressalta.

Segundo a jornalista, o médico perguntou sobre doenças na família, como câncer e diabetes, e se ateve nesta última. “Começou a falar sobre diabetes e falou que a insulina vai parar na coxa e na barriga, e repetia várias vezes ‘Você não vai querer ficar com barriguinha e com pneu, né?’. Já achei machista”, afirma.

Na sequência, o médico começou a falar sobre o hormônio testosterona, questionando se a jornalista tinha pelos no umbigo, nos seios e muita espinha. “Eu disse que não. Então ele mandou eu tirar a máscara, e fiquei constrangida”.

G.S. ressalta que nenhum dos assuntos tratados pelo médico tinham a ver com sua queixa inicial.

“Uma hora ele começou a falar de posição sexual, enquanto gesticulava, fazia ‘vai e vem’ com a mão. Começou a falar que homem gosta de ‘pegar por trás’. Falou isso muitas vezes. E repetia isso, gesticulava muito”.

“Foi muito constrangedor para mim”, enfatiza a jornalista. O médico continuou detalhando posições sexuais, sem qualquer consentimento ou interesse da paciente.

“Se não bastasse, ainda falou que é importante ‘chupar’, para deixar bem lubrificado. E eu não perguntei nada disso, não queria saber nada sobre isso. Falou também que homem gosta de ‘dar umazinha’ no meio da tarde, em qualquer canto, até ali do lado do consultório dele”.

Após a consulta, G.S. dividiu o desconforto com o namorado e entendeu que havia passado por uma situação de assédio e importunação sexual. Compartilhou o relato e fez as denúncias cabíveis.

Denunciado por lesbofobia há 10 anos

Em 2013, a biomédica L.C. foi atendida pelo mesmo ginecologista na DASC e sofreu lesbofobia na consulta, que, conforme relata, terminou assim que ela revelou sua orientação sexual.

“Ele ficou comigo duas horas tentando mudar minha orientação sexual e, na época, eu só achei que ele era louco”, relata à Lume. Na ficha, como possível diagnóstico, o médico escreveu “homossexualismo”, termo em desuso desde a década de 1990.

L.C. denunciou o médico ao Conselho Regional de Medicina (CRM-PR), porém, o processo acabou arquivado. “Me mandaram uma carta informando que dois (pareceres) foram favoráveis ao médico e uma favorável a mim, e aí eles arquivaram”.

Ao saber da denúncia recente da jornalista, L.C. lamenta que o profissional continue atuando sem punição. “Muito triste isso. Já faz 10 anos e as mesmas coisas…”.

Coletivos se manifestam e preparam protesto

A Frente Feminista de Londrina promove nesta sexta-feira (24), às 18h, em frente ao mural Chega de Assédio, no Centro de Comunicação, Educação e Artes (CECA), reunião pública para organização de um protesto contra as violências praticadas pelo médico na DASC. A ideia é somar forças com outros coletivos.

A Juntes (Comissão de Prevenção à Violência Sexual e de Gênero do CECA) da UEL divulgou, em 23 de fevereiro, nota de repúdio e de acolhimento às vítimas. A comissão reitera que “diante da gravidade dos casos expostos, esperamos o pronunciamento de órgãos competentes da Universidade e sugerimos que o médico seja afastado de sua função até que se apurem as denúncias.”

“O silenciamento que se constrói em torno desses casos só contribui para a cultura do estupro e da violência contra as mulheres”, acrescente a comissão.

Néias-Observatório de Feminicídios Londrina também publicou nota em que repudia a situação. “É inconcebível que um profissional permaneça empregado em um serviço público diante de tantas incorrências sem qualquer investigação. Como entidade comprometida com os direitos de meninas e mulheres, nos solidarizamos com todas as vítimas e aguardamos a devida punição do responsável.”

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Norte do Paraná (Sindijor Norte PR) foi outro coletivo que se posicionou em solidariedade às mulheres violentadas e pediu punição do responsável, expondo, inclusive, o nome do acusado.

“O combate à violência contra meninas e mulheres está no cerne da atuação do Sindijor Norte PR, uma entidade comprometida com os direitos humanos e com as pautas de grupos vulnerabilizados. Entendemos a omissão do nome do acusado em notas e reportagens como uma forma de perpetuação da impunidade”, defende o coletivo.

UEL e CRM instauram apuração

O Conselho Regional de Medicina (CRM-PR) enviou nota à reportagem. De acordo com a entidade, “até o momento e no alcance desta jurisdição, o referido médico está em condições plenas para o exercício de sua atividade profissional”.

“Denúncia anteriormente trazida a esta corte disciplinar foi devidamente apurada em consonância com os regulamentos vigentes e, esgotados seus cursos, inclusive de produção de provas e respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa, não se determinou comprovado ilícito ético. A parte denunciante optou em não exercer seu direito de apresentar recurso junto ao CFM.”

A denúncia mais recente, informa o CRM, ainda não chegou ao órgão. “Contudo, como lhe é facultado por lei, está instaurando procedimento apuratório, de ofício, a partir de publicações em meios de comunicação sobre acusações de assédio. O trâmite ocorre sob sigilo.”

Em nota datada do dia 17, a Universidade Estadual de Londrina informa que a Procuradoria Jurídica aguardava o recebimento da denúncia da jornalista, recebida pela Ouvidoria. Ao final do levantamento das informações e checagem dos envolvidos, o processo será remetido ao Gabinete da Reitoria e, posteriormente, ao Conselho Universitário.

Na nota, a UEL reitera seu compromisso em zelar e difundir o respeito à dignidade humana e afirma que “não compactua com qualquer forma de violência física, psicológica ou constrangimento contra a mulher, que possam ofender sua saúde, integridade física ou ainda provocar danos emocionais.”