Fala Firmina: Aracy, muito mais que um estado civil

Aracy Balabanian - 26° Prêmio da Música Brasileira 2015, no Theatro Municipal, no Centro do Rio de Janeiro/RJ. (10/06/15) Foto: Roberto Valverde/Divulgacão
Aracy Balabanian – 26° Prêmio da Música Brasileira 2015, Rio de Janeiro/RJ. (10/06/15) Foto: Roberto Valverde/Divulgacão

A morte de Aracy Balabanian neste dia 7 de agostou pegou muita gente de surpresa. Discreta, ela não fazia de sua vida pessoal um livro para a mídia especializada em fofocas se esbaldar.

As matérias sobre sua vida ontem brotavam aos montes, mas o que deveria ser uma homenagem a essa diva da televisão e do teatro brasileiro virou um show de horrores com títulos profundamente violentos acerca de seu estado civil, seus dois abortos e sua decisão em não ser mãe.

Aracy, a mulher que OPTOU por não casar ou ter filhos em prol de sua carreira, deu vida a uma das mães mais queridas de todas as novelas, a inesquecível Dona Armênia. A icônica personagem fez tanto sucesso em “Rainha da Sucata” (1990) que o autor Silvio de Abreu a colocou de novo no ar em “Deus nos Acuda” (1993), onde ela mais uma vez brilhou com seu sotaque carregado e bordões únicos.

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Em meio às notícias sobre sua morte, depoimentos emocionados de amigos, a carreira impecável, acabaram se destacando aquelas que optaram por chamar a atenção pelo julgamento das escolhas de uma mulher.

No meio de tantas chamadas, a da “Folha” foi a pior: “Aracy Balabanian fez aborto e não quis se casar nem ter filho para cuidar da carreira”. Já a “Veja”, surpreendentemente para mim, fez questão de exaltar sua coragem em decisões ainda hoje condenadas em nossa sociedade, com a chamada “O discurso feminista que Araci Balabanian pôs em prática ao longo da vida”.

Longe de ser um tabu ou surpresa para quem minimamente sabia sobre sua vida pessoal, Aracy sempre deixou muito claro em entrevistas para todo tipo de mídia que não ser mãe e não casar tinham sido ESCOLHAS, e não imposições. Sobre seus dois abortos, também teve seus motivos para uma decisão que é extremamente difícil para uma mulher.

Aracy Balabanian, uma mulher à frente de seu tempo

Ao invés de títulos condenatórios, que em algumas matérias contradiziam o texto em si, Aracy deveria ter sido mostrada como uma mulher à frente de seu tempo.

Se ainda hoje uma mulher é condenada por não casar e não exercer sua maternidade – e posso falar isso com profundo conhecimento de causa –, ela deve ter sentido muito o preconceito por ser quem é. Ainda assim, não se envergou para os caprichos de um povo machista que até os dias atuais ainda valida uma mulher por ela ter ou não um homem a seu lado.

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Sobre os abortos, ela teve a coragem de assumi-los sem nenhum medo do julgamento de uma sociedade que usa a religião para justificar o que na verdade é o desejo de controlar o corpo de uma mulher de todas as formas possíveis.

Quando soube de sua morte meu primeiro pensamento foi exatamente sobre como ela soube se posicionar, sem abaixar a cabeça e com orgulho de quem era. E com a audácia de afirmar, a quem quisesse ouvir, que tinha amado e sido amada intensamente, mesmo sem ter um papel oficial avalizando sua felicidade.

Aracy, se foi, mas seu exemplo fica para muitas mulheres que ainda hoje têm medo de serem felizes como quiserem.

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